sexta-feira, 1 de maio de 2009

Imatura Noção de Romance


Eu era bem pequeno, e nem me importava muito (quando a gente é pequeno a gente não se importa com nada), mas naquela vez eu me importei, pois era a primeira vez, em toda a minha vida, que eu estava chorando com sinceridade. Sabe, todas as crianças choram, talvez por que chega a hora de ir pra casa justo quando a brincadeira está no auge do divertimento, ou talvez por que alguém lhes roubam os doces prediletos, ou qualquer coisa assim. A solução, pra o que quer que seja o problema na infância, é simplesmente chorar. Algumas vezes isso funciona, sim, mas na maioria das vezes simplesmente voltam pra casa, chorando ou não. No meu caso era diferente. Não estava chorando porque eu ia voltar pra casa, muito menos por terem roubado de mim algum doce. Estava chorando porque tinha caído. Já havia caído diversas outras vezes, mas nada tinha sido tão sério. Olhei meu braço direito, e ele estava um pouco diferente, eu sentia como se houvessem milhares de cordas dentro do meu braço e elas estivessem sendo esticadas com a maior força possível, aquilo doía.
Sem saber o que fazer diante daquela situação, chorei. E foi o choro mais sincero da minha vida, cada intervalo-para-tomar-folego-para-gritar-de-novo era uma preparação para um grito, um grito de "Socorro! Estou morrendo! Me ajudem!", embora eu não estivesse morrendo, nem dizendo palavra alguma, simplesmente gritando. Pra uma criança, que mal sabe o que é viver, qualquer coisa muito diferente disso - de viver - passa a ser um motivo para pensar "Eu estou morrendo". No fim deu que uma moça, muito simpática por sinal, me acudiu e me levou pra um hospital próximo dali. Era uma simples torção, mas para mim, que nunca havia sentido dor alguma, aquela era a pior dor do mundo.
Teve também o ocorrido do dente, quando eu estava com onze anos. Uma vez me olhei no espelho, e estava saindo da minha boca umas coisinhas brancas, que alguns chamavam de pus, ou qualquer coisa assim. Era estranho, mas não era minha culpa, eu não tinha feito nada pra que minha boca tivesse se transformado naquilo tudo. As gengivas, de vermelhas, já estavam passando pra alguma outra cor indefinida, e eu sentia latejar, como se minhas gengivas estivessem enormes, talvez com uns dez metros de largura. Cada vez que meu coração pulsava, a gengiva latejava. Era impressionante e incrivelmente horrível.
Sentia cada gota de sangue passando por entre as veias de minha boca inteira, como se elas, as gotas, tivessem braços e unhas afiadíssimas, rasgando minha boca inteira conforme elas iam nadando por entre minhas veias. Não dava mais pra aguentar, já tinha gritado quase tudo de voz que eu tinha, e sempre guardava um pouco pra depois.
Uma faca estava na pia do banheiro, bem embaixo do espelho, porque eu já tinha pensado na hipótese antes, quando a dor estava bem no começo. Mas a dor piorou muito, e a idéia estava muito forte, quase incontrolável, mas eu ainda conseguia aguentar.
Sentia que meus dentes estavam se soltando, como se o tempo todo estivessem colados por uma cola, bem em meu crânio, e aos poucos a cola estivesse apodrecendo, e eu sentia dente por dente descolando, amolecendo, e descolando mais, e quase caindo. Mas isso, de fato, nunca chegou a acontecer.
Comecei a andar compulsivamente com um espelho de bolso, pra conferir se os dentes não estavam caindo de verdade. Conferia a cada cinco minutos, mas aparentemente sempre estava tudo normal, nada estava estranho.
Aguentei um pouco mais, e finalmente desisti. A dor já estava impossível. Peguei aquela faca, que ainda estava na pia do banheiro, e posicionei a ponta bem no meio do meu dente, de onde estava vindo a dor mais forte. Bati com força, e numa questão de segundos, voou sangue pra todos os lados, junto com o dente. A dor passou na hora.
Conforme fui crescendo e amadurecendo percebi que, além de dores físicas, existem, para o nosso desespero, as dores emocionais. E foi dessas que eu mais sofri. Os sentimentos começam a tomar vida própria quando os primeiros pelos começam a aparecer pelo corpo da gente. Lembro bem dessa época, que eu entrava no banho e começava a lembrar das garotinhas do colégio, especificamente da Júlia, e assim ficava uns quarenta minutos "tomando banho". Foi também por esses tempos que, por acaso, essa Júlia não me dava atenção. Cheguei a levar flores em sua casa (que coisa idiota), mas quando cheguei lá o meu melhor amigo (Por coincidência, Júlio) já havia chegado, também estava com flores. Lembrei do braço, e do dente, e vi que aquela dor que estava no meu peito era maior que qualquer uma que eu já havia sentido antes. Estranho é que eu consegui me controlar. Joguei as flores no lixo e caminhei de volta pra casa. No caminho ocorreu tudo bem, parei numa praça pra olhar um pouco pro céu (não sei o motivo, só me deu vontade), e depois de um tempinho assim voltei pra casa.
O problema começou à partir desse ponto. Toda vez que entrava em casa e me via sozinho, me batia um desespero impossível, e não havia moças simpáticas para me levar pro hospital, muito menos facas para eu arrancar toda minha dor à força. Eu, com minha imatura noção de romance, só tinha a mim mesmo, e não sabia o que fazer. Me afundava em choros e gritos abafados pelo meu travesseiro - Eu gostava daquele travesseiro, ele possibilitou a minha privacidade. Poderia gritar à vontade, desde que eu estivesse com a cara socada nele.
Pior ainda era no colégio, onde eu era obrigado a ver Júlio e Júlia de mãos dadas, feito dois pombinhos imbecís. Eles saíam sorridentes, andando lentamente e parecendo estar no mundo da lua, flutuando por entre as nuvens idiotas do amor. Amor, bela piada. Eu não sabia mais se eu sentia raiva ou tristeza. Esses dois sentimentos, em excesso, parecem ser exatamente a mesma coisa, e era assim que eu me sentia, triste-com-raiva.
Passou algum tempo, talvez uns dois ou três meses (o que pra mim foi uma eternidade), e eu fui me esquecendo. Na verdade não era se esquecer, e sim se conformar com o lixo por qual eu estava passando. Continuava tomando banhos de quarenta minutos, e continuava afundando a cara no travesseiro, mas os gritos eram menos frequentes, e o pensamento no banho não era sempre direcionado a Júlia. Além disso, passei a não reparar mais no estúpido romance de Júlio e Júlia (Até o nome combinava, desgraçados), e foi bem aí que tudo me deixou mais triste-com-raiva ainda. Como não estava mais reparando nos dois, não tinha percebido que eles não estavam mais juntos.
Júlia, talvez por pura pirraça, veio falar comigo no colégio, e disse que o tempo todo ela estava com Júlio pra causar ciúmes em mim, e que na verdade o garoto por qual ela sempre esteve apaixonada era, de fato, eu mesmo. Era uma boa notícia, mas eu não consigo definir se isso era pra ter me deixado feliz ou mais triste-com-raiva ainda. O que deu foi que não fiquei nem de um jeito nem de outro. Ao ouvir aquelas declarações idiotas, depois de tanto tempo de sofrimento e desespero, virei as costas e fui embora. Assim, sem mais nem menos. Admito que fiquei arrependido por uns tempos, na verdade por muitos anos eu pensei em voltar pra ela, levar flores, e dizer que sempre a quis pra mim, e um dia, resolvi que era isso que eu iria fazer.
Saí de casa, com minha melhor roupa, entrei no meu carro (Já tinha carro, pois já havia passado muito tempo da época do colégio), passei em uma barraca de flores para comprar a mais bonita delas, e comprei. Era uma Jasmim, meio branco, meio rosa, linda. Resolvi parar o carro duas ruas pra trás, para chegar caminhando em sua casa, recordando os velhos tempos, e tudo mais. Mas acontece que quando cheguei, Júlio já havia chegado primeiro, e também com Flores. A única diferença era o Jaguar, que comparado ao meu humilde Ford, era um carro impecável. Sinceramente, eu já esperava que isso acontecesse, e tinha ido pra lá psicologicamente preparado para qualquer coisa desse tipo. Mas pela minha imatura noção de romance, não adiantou, e só senti as consequências quando me vi sozinho, perto do travesseiro.

23 comentários:

  1. travesseiros sempre são bons, mas as vezes, quando não se tem mais incoencia do choro, um travesseiro, pode não ajudar mais, e dessas júlias e júlios é que o mundo realmente é feito, e moçar simpáticas, não aparecem todos os verões. muito bom.

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  2. C'est la vie! Amores que ficam para sempre...

    Gosto muito de passar por aqui!

    P.S. Mulher de sorte, a Júlia. Dois apaixonados pra sempre...

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  3. Moral da história: " Muito sofre quem ama"

    Bom FDS

    Cumpts
    .

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  4. Sem amor, sem paixão é igual sem tesão pela vida.

    Tem uma frase que falo sempre..Ser feliz é uma arte. A arte é essa, cair, levantar, machucar, sarar e ferir denovo. Isso é vida, isso é estar vivo.

    Falei demais, neh?

    Bjos de luz!

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  5. Vallim, me surpreende a cada nova história,.
    E o mais interessante, todas com bom conteudo : )

    E assuntos divferentes, isso mostra o tamanho do conhecimento que tu tem ae nessa sua caxola.

    Te cuida rapaz:*

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  6. opa!
    que bom que gostou dis textos..
    esse ultimo , por acaso ainda nao e musica, mas musico alguns textos meus..
    www.myspace.com/juanbarr
    ah ta add
    ;)

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  7. Quantas vezes, agarrado ao travesseiro pensei... nossa, como aquelas injeções, dentes-de-leite e quedas doíam tão pouco frente a essa dorzinha no coração! Ruim mesmo... mas passa, como todas as outras.

    P.S (respondendo ao seu comentário) ahahaha... que bom, não estamos sozinhos nessas situação :P... e viva!

    bjos
    ;*

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  8. Tu vê como o ser humano é diferente, em vários aspectos..Eu poderia suportar esse amor não vivido, ainda que morrendo de dor (a gente sempre sofre), e ainda assim perdoaria ela e ainda me acharia o cara mais sortudo do mundo.. Agora, arrancar um dente com uma faca?? Nunca!!!
    Mas a gente acaba trilhando os caminhos que escolhe...Não sabemos se certos ou errados..
    Adorei aqui, tua escrita é muito boa. Já está linkado na cafeteria, que está aberta sempre. E adicionarei no msn tb.
    Um café, expresso.

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  9. Acontece que, eu gostei do conto!
    Beijo

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  10. Moby, Aceito crítica sim, se forem construtivas.

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  11. É como disse um amigo meu: "O amor é uma flor roxa que nasce no coração de um trouxa."
    rsrsrs

    Deixando de lado a brincadeira, acho que essa é a essência da vida, quebrar a cara e mesmo assim continuar. Cedo ou tarde as coisas melhoram.

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  12. É curiosa a forma em como relatas as duas dores (física e sentimental), gostei. O final da história foi um bocado trágico. Muito bom.

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  13. Je te dis la mêmechose: tout ça c'est la vie. Il n'y a pas rian que n'est pas destin.

    E é incrível como os caminhos da gente se cruzam, ou se descruzam com o tempo. Pode serque depois, as coisas mudem completamnte. Quebrr a cra sempre é bom, porque a pessoa se fortalece em cada tropeço que dá.

    Te conheci no blogue "Por Escrito".
    C'est avec beaucoup de plaisir que jeviens ici.
    Au revoir.

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  14. Existem outras júlias (sem júlios), por aí.
    Deixe o seu travesseiro secar por um tempo.

    :)

    Vou, te add também!
    adorei isso aqui. ('isso', no bom sentido)
    Ótima semana

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  15. nossa...muito bom e muito criativo...tu escreve muito bem!!

    abraço!

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  16. Travesseiros são sempre bons psicólogos. Eles podem não ouvir nada, mas guardam nossas lágrimas num lugar onde vai doer menos do que se elas ficarem dentro da gente.

    Gostei daqui e de como escreves. Simples e interessante ao mesmo tempo. Voltarei mais vezes.
    Um beijo :*

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  17. Será que a noção de romance chega a amadurecer algum dia?...Tenho minhas dúvidas... Acho que quando amamos, por mais que já tenhamos tido experiências anteriores, ficamos meio "sem noção", meio imaturos...E concordo com Fernando Pessoa, quando afirma que "Todas as cartas de amor são
    Ridículas./Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas".

    Adorei a analogia com as dores da infância... Realmente a dor de amor é bem mais cruel que a pior dor de dente!

    Um abraço!

    P.S:Pode ter certeza que assistirei ao "Ilusionista", após a bela recomendação.

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  18. já te adicionei tbm o/
    até pra lembrar de passar aqui pra ver os posts futuros.

    é incrivel como realmente criança chora por tudo, as vezes qnd vejo uma criança em uma situaçao de provavel choro fico observando e apenas esperando a ora do chororô huahuahuauhauhuhahuauhauhhua
    (e dá certo o/ choram mesmo)

    historia triste, a garota era cruel :/

    bem narrada ^^


    www.thiagogaru.blogspot.com

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  19. sentimentalismo e revolta andam de mãos dadas hein senhor vallim?

    (é, eu tirei o dia pra ler seu blog)

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  20. Quando somos jovens, somos tão sensiveis (a grande maioria), e deixamo-nos abater por tudo, até mesmo por simples probleminhas, que afinal, não passam de problemas mesmo pequenos e ai fazemos uma tragédia, passamos para a curta metragem e ai fazemos um filme de 3 horas e tal!
    Mas isso com o tempo muda, crescemos, caimos, batemos com a cabeça e aprendemos com os erros, aprendemos a enfrentar os problemas.
    Adorei o texto.
    beijo

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